As Geringonças de Mestre Molina
Alunos fazem oficina especial e criativa no SESC de Ribeirão Preto, projeto idealizado pela professora de artes Débora Oliveira.
As bancadas de Mestre Molina, denominadas geringonças, são algumas das mais importantes obras da tradição nacional dos bonecos animados, e podem ser vistas até fevereiro de 2014 na exposição Mais de Mil Brinquedos para a Criança Brasileira.
Objetos rústicos como madeiras, latas, borrachas e cordas; materiais sofisticados como silicone, gesso e tecidos especiais – todos serviam ao mesmo propósito nas mãos de Mestre Molina, um dos principais expoentes da arte popular da criação de bonecos animados: dar origem a obras que, além de divertir pessoas de todas as idades, refletiam com singeleza o cotidiano nacional.
As bancadas de Mestre Molina, que ele mesmo apelidou de geringonças, são mesas cheias de figuras artesanais que se movem com a energia gerada por um motor elétrico, reproduzindo cenas da vida no Brasil. Fábricas, serralherias, bares e outros locais de convívio foram abordados pelo Mestre, que, com a ingenuidade do olhar infantil típica do criador de brinquedos, retratou como poucos a legítima cultura popular do país.
Desde o princípio colaborando com artistas que compartilhavam o anseio pelo entendimento de nossa cultura, o Sesc Pompeia foi a casa perfeita para abrigar a inventividade de Mestre Molina, que por doze anos usou a unidade como espaço de criação de suas geringonças. Algumas delas ainda podem ser vistas até fevereiro de 2014 na exposição Mais de Mil Brinquedos para a Criança Brasileira, que homenageia a mostra Mil Brinquedos da Criança Brasileira, realizada no ano de inauguração da unidade, em 1982, e que tinha as mesas do artesão como algumas de suas principais atrações.
Passados mais de 40 anos desde a criação de sua primeira geringonça, a mensagem por trás dos trabalhos de Manuel Josette Molina, nascido em 1917, em Bocaina, São Paulo, parece se conservar de modo atemporal. A esse respeito, Beatriz Vidal, restauradora oficial das obras do artesão, comenta: "Mestre Molina não retrata apenas o ambiente onde viveu e seu olhar sobre as coisas, ele retrata em suas obras seu olhar sobre as relações que se davam nesses ambientes, pequenos detalhes em cada obra nos remetem a como ele via a vida que cada cenário produzia”. Pessoal, porém abrangente; ainda segundo a restauradora, é “este aspecto quase que narrativo de sua obra que o torna atemporal – uma história bem contada atravessa os tempos sem se desgastar”.
O primeiro contato do artista com o Sesc, que ocasionaria uma parceria vindoura, aconteceu em 1974, ano em que participou da exibição Cultura Popular no Sesc Santos. Pela primeira vez foi reconhecido como artista e teve seu trabalho aclamado como arte popular – agora ele era o Mestre Molina. E nessa condição foi convidado a expor suas bancadas em diversos outros espaços nos anos que se seguiram. Em 1982, a exposição Mil Brinquedos da Criança Brasileira consolidou o sucesso da colaboração com o Sesc, marcando a inauguração do novo espaço cultural no qual, anos depois, em 1988, teve seu trabalho celebrado na mostra individual As Geringonças do Mestre Molina, em que realizou o antigo sonho de ter seu processo criativo revelado para crianças e jovens que puderam acompanhar seu empenho na criação de algumas peças ao vivo. Fora contratado três anos antes pelo Sesc Pompeia, em 1985, onde permaneceria disseminando a arte popular até sua morte, em 4 de novembro de 1998.
A vocação de contar através dos bonecos em movimento as histórias e as experiências que acumulou ao longo de uma vida de viagens e de muitas ocupações, mostrando as diferentes facetas das pequenas cidades, do cotidiano da gente simples e do trabalho árduo, pode hoje ser testemunhada nas geringonças expostas na mostra Mais de Mil Brinquedos da Criança Brasileira. Em Bar dos Trabalhadores Braçais e Parque de Diversões são narradas diferentes cenas do cotidiano, ao passo que outras bancadas, como Palácio dos Fantasmas, dão espaço para as fantasias tão familiares às brincadeiras infantis. O que todas têm em comum é a autenticidade, o meticuloso cuidado dedicado a cada boneco e a cada objeto, a criatividade da arte popular brasileira que, traduzida nos movimentos de suas geringonças, ainda hoje arranca sorrisos de crianças e adultos.
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